terça-feira, 23 de fevereiro de 2010

Entrevista - Magistrada do Ministério Público

1- Qual a média de casos existentes?

R: Há uma boa percentagem, a PSP quando recebe as queixas tem um auto de denúncia por Violência Doméstica e os agentes utilizam na maioria dos casos o formulário.

2- A maioria dos casos é arquivado ou acusado?

R: A maioria dos casos considerados Violência Doméstica têm acusação, mas também há casos que são arquivados por não serem considerados Violência Doméstica.

3- Nos processos que são acusados, de que lado fica habitualmente a justiça: do agressor ou da vítima?

R: Dos processos acusados, a maioria serão condenados.

4- Que instituições de apoio são habitualmente recomendadas pelo Ministério Público nos casos de violência

doméstica?

R: A APAV.

5- Quantos juízes criminais existem no Ministério Público?

R: No Barreiro, há 2 juízes criminais.

6- Em que casos específicos e qual o limiar para a concessão de protecção policial (sistema de protecção de vítimas)?

R: A protecção policial não é muito utilizada, o que se utiliza são: a aplicação de medidas ao arguido, recolhe-se alguma prova considerada relevante e seguidamente sujeita-se o arguido a um interrogatório judicial para se poder aplicar medidas de coacção sobre o arguido, mas geralmente o que resulta melhor é a proibição de contactos e o abandono de residência.

7- A partir de que evidências se identifica a violência psicológica?

R: É relativo, na maioria dos casos a violência mais frequente é a violência física, mas também há a psicológica e por vezes ambas, mas quando existe violência psicológica as pessoas costumam ir ao hospital e lá são encaminhadas para um psicólogo, e a partir daí as vítimas começam a estar presentes nas consultas com o psicólogo durante um determinado período de tempo.

8- Que tipo de provas se consideram relevantes?

R: O tribunal não dá prioridade à prova testemunhal, mas há provas consideradas relevantes como: o tratamento médico; gritos ou barulhos ouvidos por vizinhos; marcas no corpo; acompanhamento da vítima para o hospital, entre outros.

9- É comum vítima e agressor comparecerem à mesma audiência?

R: Quando vai para julgamento o arguido e a ofendida estão presentes e esta presta depoimento na presença do arguido, mas se a situação for muito grave e perturbadora e a ofendida se sentir nervosa ou com medo e se o juiz der permissão, a ofendida fica na sala de audiências para prestar depoimento e o arguido sai enquanto ela estiver na sala.

10- Como é que as testemunhas são encaradas nos processos?

R: As testemunhas podem ser psicólogos, vizinhos, familiares, entre outros.

11- Os filhos podem testemunhar? Quais são os requisitos para o fazerem?

R: Podem, mas depende da idade, do bom senso do juiz, mas também têm o direito de não testemunharem se não quiserem, uma vez que é um direito reservado aos filhos perante a lei.

12- É comum utilizar jurados em tribunal no julgamento destes casos?

R: No Barreiro não são utilizados jurados, embora esteja previsto na lei.

13- Já ocorreu a morte da vítima durante o processo?

R: No Barreiro, ainda não.

14- É mais comum a violência sobre mulheres ou sobre homens?

R: A maioria dos casos de violência doméstica é aplicada em mulheres (cerca de 99%).

15- Existe frequentemente desistência por parte da vítima?

R: Existe um elevado número de desistências, mas se o crime for considerado público a ofendida não pode desistir da queixa. A maior parte das desistências costumam ocorrer no momento inicial do processo e em crimes privados (dentro de casa, sem testemunhas, entre outros), mas mesmo que o crime seja público e por exemplo a ofendida for a única testemunha da violência, esta quando for testemunhar disser que não se passou nada ou simplesmente não falar, o processo é arquivado. Também pode haver suspensão provisória do processo, caso o arguido tenha problemas com álcool ou drogas.

16- Costumam existir falsos testemunhos?

R: Neste tipo de crime não existe falsos testemunhos em relação à vítima, no entanto esta pode falsificar o seu testemunho, mas costuma ser mais no sentido de aligeirar a situação quando está a depor, uma vez que a situação por vezes é bem mais grave do que aparenta.

17- Existem maioritariamente casos de vítimas de classe baixa ou a classe alta tem destaque?

R: No Barreiro, a maioria das vítimas são de classe baixa, devido a problemas com o álcool, desemprego, entre outros, o que não quer dizer que não existam também casos de vítimas de classe média-alta, mas de elite não.

18- Existem muitos casos de violência doméstica em que os filhos ou os netos são os agressores?

R: Existe, principalmente por parte dos filhos, que na sua maioria está relacionado com o uso de drogas, mas quando o arguido faz uma desintoxicação e este acalma, a situação pode ser resolvida sem problemas posteriores.

19- Quais os recursos, a nível judicial, de que as vítimas dispõem?

R: As vítimas dispõem de medidas de coacção, proibição de contactos, entre outros.

20- Quais os recursos, a nível institucional, de que as vítimas dispõem (exemplo: Casa de Abrigo)?

R: A APAV.

21- Que tipo de escutas se consideram válidas?

R: Até agora no Barreiro ainda não houve a utilização de escutas telefónicas, mas se forem consideradas ordenadas, validadas e transcritas pelo juiz, podem-se utilizar.

22- Existe alguma legislação específica no código quanto a este crime (Violência Doméstica)?

R: Entrou uma lei em vigor em 2009 relacionada com a violência doméstica. Este regime veio regulamentar determinadas falhas que o Código Penal tinha em relação a este crime e fez com que os processos pudessem se desenrolar mais rapidamente.

Algumas informações extra:

- Com as últimas alterações feitas no Código Penal em 2007, o segredo de justiça só existe se for requerido, ou então é considerado público. O segredo de justiça protege a vítima de possíveis situações de violência por parte do arguido.

- A pena de violência doméstica pode ir de 1 a 5 anos.

- Se houver crime de violência doméstica juntamente com violação a pena é mais elevada.

- A violação geral vai de 3 a 10 anos de pena.

Entrevista ao chefe da PSP do Barreiro - Violência Doméstica

  1. Existem muitos casos de violência doméstica?

R: Todos os anos têm vindo a aumentar o nº de casos comunicados à polícia devido à divulgação da informação sobre o tema.

  1. Quais são os procedimentos habitualmente a tomar quando é registada uma queixa?

R: O crime de violência doméstica começou só recentemente a ser considerado um crime público [1], ou seja, antes era necessária queixa por parte da vítima e agora basta que se tenha conhecimento desse crime para se comunicar ao ministério público. Se o agente é chamado ao local: Vão, em primeiro lugar, tentar apaziguar a situação. Em segundo, identifica os indivíduos (vitima e agressor). De seguida, elabora-se um auto de notícia com todos os factores. É feita uma avaliação da condição social em que essa família está inserida, o nº de filhos, a existência de outros factores tais como o consumo de álcool, desemprego, condição económica, desentendimento entre o casal e é verificada a presença ou não dos filhos nas situações de violência. Não existe detenção a não ser que o agressor insista em maltratar a vítima. Depois de elaborado o auto, é enviado para o ministério público, que dá inicio a um processo de inquérito.

  1. Normalmente é a própria vítima que apresenta queixa formal?

R: Não, pode ser um vizinho ou outro cidadão qualquer que oiça barulhos relacionados com a prática de violência doméstica.

  1. Qual ou quais o (s) estereótipo (s) de vítima e agressor?

R: A vítima é a parte mais fraca, geralmente não se queixa e obviamente permite as agressões. O agressor normalmente está sob o efeito de álcool ou outros narcóticos (drogas), chefe de família, controlador, manipulador, ciumento, chantagista e violento.

  1. Existem lesões mais frequentes?

R: Sim, existem, mas no Barreiro as lesões não costumam ser muito “graves”, costumam ser hematomas, arranhões e olhos negros.

  1. A violência doméstica é dirigida apenas à mulher?

R: Não, mas cerca de 99% dos casos a vítima é a mulher.

  1. Quais os sentimentos mais presentes nas vitimas?

R: Submissão, medo da solidão, raiva não exteriorizada, paixão irracional pelo agressor, entre outros.

  1. A maioria das queixas segue até ao fim do processo?

R: Num caso de violência doméstica (crime público), o crime não pode ser arquivado. Se a policia tiver conhecimento, o processo segue para tribunal. Se a vítima em tribunal disser que não quer continuar com o processo, o ministério público promove a suspensão do processo, mas não quer dizer que o processo tenha terminado.

  1. Existem muitas denúncias que são feitas por vizinhos ou familiares?

R: Sim, existem algumas mas também podem ser feitas por colegas de trabalho ou alguém relativamente próximo que tenha conhecimento da situação.

  1. No Barreiro, existem muitas vítimas de classe alta a apresentar queixa ou é maioritariamente classe baixa?

R: A maioria é de classe baixa mas também de classe média/alta.

  1. Existem casos em que as mulheres encenam uma situação de violência doméstica?

R: Existem, quando por exemplo existe um processo de divórcio, as supostas “vítimas” encenam uma situação de violência doméstica, porque existem bens envolvidos, como a casa, o dinheiro, entre outros.

  1. Qual foi o caso mais dramático que já teve em mãos nesta esquadra?

R: Até ver, ainda não existiu um caso demasiado dramático.

  1. As vítimas costumam ser acolhidas pelas famílias ou há uma rejeição por parte das mesmas?

R: Existe o PIP (Programa Integrado de Proximidade) e a APAV (Associação Portuguesa de Apoio à Vítima). Estas são as primeiras organizações que ajudam a vítima, a APAV acompanha e acolhe a vítima caso a situação desta seja um caso de extrema gravidade, graças a esta organização no Barreiro ainda não sucedeu um caso demasiado grave. Devido ao extracto social de elite algumas famílias tendem a “esconder” o caso de violência doméstica.

  1. Quais os acontecimentos mais frequentes por detrás de uma situação de violência doméstica?

R: Alcoolismo, drogas, problemas do foro psicológico, desemprego, infidelidade, ciúmes, entre outros.

  1. As agressões habitualmente são com armas? Se sim, quais?

R: As pessoas por vezes especulam sobre armas que podem estar envolvidas no caso de violência doméstica, no Barreiro não costuma ser muito habitual, mas há um caso que a PSP teve conhecimento em que o casal estava a morar junto, mas ele tinha um problema com o álcool e com drogas o que levou a que o rapaz começasse a bater na namorada e um dia ameaçou-a com uma arma. As armas podem ser revólveres, facas, qualquer objecto que na altura esteja mais perto do agressor.

  1. Quando é que os processos são ganhos pela vítima?

R: São ganhos pela vítima quando não há desistência por parte desta e as provas e testemunhos também ajudam no sucesso dos processos.

  1. Existem reaberturas de casos?

R: Sim, caso existam provas que sejam consideradas relevantes para a continuação do processo.

  1. A violência doméstica pode ter consequências sobre terceiros? (ex: Violência sobre a esposa e consequentemente sobre o filho/a)

R: Sim, tem sempre consequências negativas sobre o filho, o que em certos casos pode levar a problemas do foro psicológico, mas se este for acompanhado por um psicólogo tem tendência a melhorar.



[1] Há 3 tipos de crime de Violência Doméstica:

- O particular, que precisa de queixa por parte da vítima;


- Semi-público, a PSP dirige-se ao local onde ocorreu o crime e vêem a situação, mas a vítima tem que fazer queixa ou então o processo não evolui.


- Público, basta a PSP ter conhecimento do crime para poder agir.